Símbolo de uma mudança, Volker Ippig foi o estandarte de uma revolução no FC St.Pauli, um dos clubes mais progressistas e populares da Alemanha.
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Volker Ippig não foi um goleiro brilhante. Esteve longe de ser um dos grandes do seu país, mas fez algo que poucos atletas no mundo fizeram: ajudaram a transformar a cultura de um clube. Nos seus oito anos com a camisa do St. Pauli, único time que defendeu na carreira, Ippig simbolizou a mudança do modesto clube de Hamburgo para um sucesso internacional, símbolo da esquerda no futebol profissional.
O bairro em que se situa o St.Pauli é conhecido em toda a Europa. Famosa pela rua de Reeperbahn, os piratas se construíram através do sentimento proletário e provocador que havia entre os trabalhadores do porto, dos punks e das damas da noite. Mas nem sempre foi assim. Nem sempre houve tamanha identificação entre o povo que habitava o bairro e o seu clube.
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No começo dos anos 80, o Millerntor-Stadium recebia cerca de 1.500 torcedores. Mas a chegada de Ippig ao bairro mais vermelho de Hamburgo mudaria as coisas. Vindo da pequena Eutin, a 100 km de Hamburgo, Ippig, que não tinha uma clara posição política, foi transformado ao melhor estilo St.Pauli. Nascido em 28 de janeiro de 1963, Ippig chegou a Hamburgo com 18 anos para ser goleiro do time do bairro portuário.
Um jovem vivendo em um ambiente que fervia. Ippig logo se envolveu em um dos movimentos sociais mais fortes da região: o Okupas. Como o nome sugere, o Okupas era um movimento que ocupava áreas abandonados ou sub-utilizadas, uma espécie de MTST (Movimento dos Trabalhadores Sem Teto) alemão. Ippig, inclusive, morava em uma casa ocupada pelo movimento. Como relata Quique Penado no livro "Futebol à Esquerda", Ippig vivia como o bairro e pensava como eles. Era um dos seus.
Arqueiro titular do St.Pauli, Volker, que ia para o treino de bicicleta ou de ônibus e entrega em campo com o punho erguido, foi uma das grandes pontes entre o sentimento da comunidade e o FC St.Pauli. Moldado pelo bairro, usou-o para transformar o clube. Estandarte da revolução que acontecia no Millerntor, Volker viu o seu clube se transformar no seu povo. E muito graças a ele.
Apesar de idolatria da torcida, que agora passava a levar bandeiras piratas e imagens de Che Guevara (guerrilheiro argentino que participou da revolução cubana em 1959), Volker tinha outras ambições na vida. Sua consciência social, e de classe, exigiam mais do que apenas fechar a meta das caveiras.
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Cansado de só jogar futebol, Ippig abandonou os campos, pela primeira vez, em 1983 para passar um ano trabalhando na construção de uma creche para crianças com necessidades especiais. Além disso, construiu uma cabana no povoado de Lensah, onde passava os finais de semana.
A parada em 1983 não foi a única de Volker. Ainda nos anos 80, Ippig abandonou o St.Pauli para se alistar em uma brigada de trabalho voluntário na Nicarágua, liberada da ditadura de Anastasio Somoza Debayle e sob o comando da revolução sandinista, movimento de esquerda. De volta a Alemanha, depois de ajudar na construção de um hospital no país latino-americano, Volker se isolou do mundo.
Morando na sua cabana em Lensah, Ippig se distanciou da realidade, como conta ele a Peinado. Depressivo por não entender nem ao mundo nem a si mesmo, Volker decidiu regressar ao futebol, o que, segundo ele, salvou a sua vida. Aos 29 anos, se aposentou do esporte que havia lhe resgatado a vida devido a uma grave lesão.
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Sua história se confunde com a história de St.Pauli e do St.Pauli. Com Volker, o clube mais vermelho do mundo, apesar de vestir marrom, se tornou um fenômeno mundial. Com cerca de 11 milhões de simpatizantes só na Alemanha e com média de 22 mil torcedores no seu estádio, Ippig foi o símbolo de uma mudança cultural na instituição que moldou e defendeu.
Atualmente, o ex-arqueiro alemão continua vivendo no bairro que o despertou para as mazelas do mundo. Dividindo o seu tempo entre a família, uma escola de goleiros e um trabalho no porto de Hamburgo, Ippig continua como sempre foi: um dos seus.
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